Pai ausente
Osiel Rangel
Uma mulher pode até levar a vida sem a companhia de um parceiro, pai de
seus filhos. Ela educa, cuida e resolve inúmeros problemas sozinha. Mas
isso não minimiza o valor do papel paterno na mente das crianças. Seja
em que situação for, uma criança sem a presença do pai em sua vida
diária freqüentemente tem sentimentos de frustração, desajuste e
dúvida, que se expressam na mais simples frase: “Mãe, por que meu pai
não liga pra mim ou não vem me visitar?” Não importa em que situação
familiar a falta do pai aconteça, esta reação preocupa a mãe. Ela
deverá, diante disso, tentar encarnar a figura do famoso “pãe” – pai e
mãe ao mesmo tempo? Precisará se conscientizar de que precisa de ajuda
e de maior preparo para superar o desafio?
É possível que crianças ou adolescentes se sintam rejeitados
por não terem a presença física e emocional constante de um pai, o que
pode afetar sua auto-estima. Se o próprio pai ou mãe não lhe dão valor,
quem dará? Esta pode ser sua conclusão. E eles correm o risco de ter um
desenvolvimento emocional sujeito a problemas indesejáveis, como
depressão, falta de confiança, timidez, dificuldades de aprendizagem
etc.
Segundo Cristina Nacif Alves, pedagoga da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (Uerj) e especialista em Desenvolvimento e
Aprendizagem da Criança, tanto a figura do pai quanto da mãe são
importantes para a criança e o adolescente, pois a sociedade possui
imagens e papéis altamente valorizados. “Se uma criança não tem pai ou
mãe, acaba, muitas vezes, sendo cobrada na escola pelos amigos”,
destaca. Ela explica que apesar do conceito de família ter sido
alterado (antes, considerado a partir dos laços de sangue; atualmente,
definido pelas escolhas afetivas), as pessoas ainda vivem sob o signo
da família composta por pai, mãe e filhos.
Entretanto, esta não é a única organização familiar existente, pois
existem lares compostos por: uma mãe e filhos; avó e netos; um pai e
filhos; duas mães e filhos; dois pais e filhos etc. Contudo, a
diversidade na organização das famílias não as exime da obrigação e da
necessidade de garantir à criança e ao adolescente o benefício das
funções materna e paterna.
A função materna diz respeito aos cuidados e à atenção acerca
das necessidades físicas, morais, intelectuais e emocionais dos filhos.
A função paterna refere-se à lei que traça limites para a regulação das
condutas. Todavia, o fato desses papéis serem denominados materno e
paterno não significa que só podem ser exercidos pela mãe e pelo pai,
respectivamente. O mais importante é que ambas as funções sejam
desempenhadas pelos responsáveis, pois tanto o carinho e o cuidado,
como os limites, são fundamentais para que a personalidade se
desenvolva de forma a constituir um sujeito ético, convicto de seus
atos e cumpridor de seus deveres.
De acordo com o pastor Antonio Lazarini Neto, autor do livro
Filhos da Mãe, publicado pela MK Editora, a idéia de família não podia
ser concebida dispensando a figura paterna.
Ele explica que já na primeira referência à estrutura familiar
encontrada na Bíblia, no livro de Gênesis 2.24, a família é vista como
constituída por “pai e mãe”. Está escrito que deve “deixar o homem a
seu pai e a sua mãe para se unir e tornar-se uma só carne com sua
mulher”. Assim, o natural, o comum, era que a pessoa viesse de um lar
onde a figura paterna estivesse presente. Isso porque a figura do pai
era importante para assegurar a estabilidade da casa e garantir o
sustento de toda a família.
A ausência do pai, que biblicamente era mais comum ocorrer em
função da sua morte, fazia com que Deus – pelas leis e orientações a
Israel – não somente assumisse o papel do pai, como exigia do povo que
cuidasse de forma especial daqueles que se vissem órfãos. No livro de
Êxodo 22.22-24, há a seguinte passagem: “A nenhuma viúva nem órfão
afligireis. Se de algum modo os afligirdes, e eles clamarem a mim, eu
lhes ouvirei o clamor; a minha ira se acenderá, e vos matarei à espada;
vossas mulheres ficarão viúvas, e vossos filhos, órfãos”. Desse modo, o
povo era conscientizado da lacuna que um pai deixava na vida do filho,
da mesma sorte que o homem deixava na vida de uma mulher (veja que as
referências bíblicas trazem o órfão e a viúva sempre juntos e pode ser
que eles tenham ligação entre si – isto é, sofrem com a ausência da
mesma pessoa).
Em seu livro, Lazarini diz que a figura paterna também era
importante porque o pai abençoava os filhos. As palavras que saíam da
boca de um pai eram de suma importância e proviam direção e segurança
futura para o filho. No Antigo Testamento há registros de pais
proferindo bênçãos sobre seus filhos. Em muitos casos, a dor da morte
era compensada pela herança que o pai deixava, especialmente o que o
pai dissera a respeito do filho antes de morrer. Na história de Jacó e
Esaú, por exemplo, o que o pai determinou acerca do filho “mais novo”,
em sua bênção, era “irreversível” (cf. Gn 27.33-35). Ou seja, muitas
vezes, o futuro do filho dependia em grande medida, da presença, do
apoio e da bênção do pai.
O pai trazia um referencial de vida para o filho. Davi, a
despeito de sua grandiosidade como rei em Israel, deixou marcas
negativas impressas na vida de seus filhos. Embora tivesse sucesso como
monarca, Davi colheu insucessos na criação de seus filhos. O seu
primogênito, chamado Amnon, violentou sexualmente sua própria irmã
Tamar (2 Sm 13.1-20). Absalão, o terceiro filho, deu ordens para
assassinar o irmão Amnom (2 Sm 13.28,29). O quarto, Adonias, quis
usurpar o trono do pai na sua velhice (1 Rs 1.5). E sobre esse último é
dito: “Jamais seu pai o contrariou, dizendo: Por que procedes assim?”
(1 Rs 1.6). O abandono de Davi deixou não apenas marcas profundas no
caráter e na conduta de seus filhos, mas também trágicas e irreparáveis
conseqüências.
PAI AUSENTE: FILHOS SEM LIMITES
Responsabilidade e preocupação em dobro. É como Denise
Andreolli, mãe de André, 8 anos, define sua jornada diária. Ela explica
que criar o filho sem o marido não é tarefa das mais fáceis. “O André é
muito ativo e ansioso! Mesmo sozinha, tenho procurado driblar as
dificuldades dele na escola e em casa, com a cooperação da família”,
conta. Segundo ela, seu filho está perdendo o afeto pelo pai, que não o
procura nem nas datas mais importantes.“Quando encontramos com o pai
dele na rua, peço para André ir até ele para conversar, mas o menino
não quer”.
Hoje o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dá o direito
de se pleitear em juízo a presença do pai, não só material (para o
custeio de despesas), mas também afetiva (através do direito à
visitação). Para um menino como André, há que se pensar em uma
intervenção terapêutica que ajude essa família desfeita a prover uma
presença paterna mais sólida e efetiva. Mesmo os juizados, atualmente,
possuem departamentos de Psicologia para esse tipo de intervenção
(quando outras soluções não surtem o efeito desejado).
Entretanto, a Bíblia dá esperança e motivos suficientes para
que mães acreditem que seus filhos – criados apenas por elas – podem se
tornar grandes homens. Um exemplo está no livro de Provérbios, que traz
uma importante declaração sobre a vida de Lemuel: “Palavras do rei
Lemuel, de Massá, as quais lhe ensinou sua mãe” (Pv 31.1). Não se sabe
se ela criou Lemuel sozinha, mas o texto enaltece a figura da mãe como
influência positiva na vida desse rei.
Segundo Sérgio Nick, psicanalista e especialista em Direito
Especial da Criança e do Adolescente, a grande questão é analisar como
essas mães puderam tornar seus filhos “grandes homens” na ausência do
pai. Em seu trabalho sobre a função paterna, Nick destaca que o grande
problema é quando os pais estão em litígio e existe uma grande
desvalorização do pai por parte da mãe e de outros em torno. “Quando a
mãe, afastada do marido, consegue manter uma imagem positiva do pai
para seu filho, isso se reflete na criança como uma possibilidade de
construir dentro de si uma figura idealizada de seu pai. É essa imagem
que irá constituir a base da auto-estima e do amor próprio da criança e
do adulto no futuro”, explica.